Governos municipais em cooperação para o enfrentamento da Covid-19: o caso do ABC paulista

0505Vanessa Elias de Oliveira1
Gilberto M. A. Rodrigues2
Rafael Venijio Maggion3

A região do ABC paulista é reconhecida nacionalmente como exemplo de cooperação regional: com uma identidade própria, abriga um dos mais antigos consórcios intermunicipais do país, o Consórcio Intermunicipal Grande ABC. Composta por sete municípios – Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, tem mais de 2,8 milhões de habitantes4. A região representa um dos maiores mercados consumidores do país e seu PIB Industrial é o segundo maior do estado e terceiro do país5.

Politicamente, a região foi marcada pela presença de governos de esquerda, quadro que se alterou nos últimos anos. Dos sete municípios, quatro são governados pelo PSDB.

Quadro: Municípios do ABC paulista, população, prefeito e PIB per capita

Município População Prefeito/Partido PIB per capita (R$)
Diadema 423.884 Lauro Michels Sobrinho (PV) 32.097,86
Mauá 472.912 Átila Jacomussui (PSB) 35.251,59
Ribeirão Pires 123.393 Adler Alfredo Jardim Teixeira – “Kiko” (PSB) 25.002,17
Rio Grande da Serra 50.846 Gabriel Maranhão (PSDB) 12.365,16
Santo André 718.773 Paulo Serra (PSDB) 38.408,12
São Bernardo do Campo 838.936 Orlando Morando (PSDB) 53.998,54
São Caetano do Sul 161.127 José Auricchio Júnior (PSDB) 82.119,69

Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do IBGE(2017)

Atualmente o Consórcio é presidido pelo prefeito de Rio Grande da Serra, Gabriel Maranhão, e seu vice-presidente é o prefeito de Diadema, Lauro Michels.

Os municípios do ABC paulista no combate à Covid-19

Em meados de março deste ano, o tema da pandemia passou a ser tratado publicamente pelos municípios do ABC paulista. No dia 15 foram noticiados os primeiros casos de Covid-19 no ABC, em São Bernardo e São Caetano do Sul. No dia seguinte o prefeito Orlando Morando afirmou: “Venho reconhecer que o problema chegou a São Bernardo”6. Já no dia 17 as prefeituras anunciaram medidas preventivas para seus servidores7, incluindo a dispensa daqueles com mais de 60 anos para home office antes mesmo do decreto estadual demandando o isolamento social, em 20/03/2020.

No dia 18, o Consórcio Intermunicipal Grande ABC decidiu suspender o transporte público municipal, de maneira gradativa até o dia 28 de março e total a partir do dia 29. Essa medida era parte de “um esforço regional para conter o avanço do novo coronavírus”8. Mas ela foi suspensa em poucos dias, após diálogo do Consórcio com o Secretário de Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo, Alexandre Baldy9. Interessante notar que, conforme apontaram Ré e Oliveira (2018)10, os municípios conseguem dialogar mais facilmente com o governo do estado em função de sua atuação coordenada, o que os fortalece nas negociações com o nível estadual. 

Em atenção às necessidades das populações mais vulneráveis, o Consórcio elaborou um documento, encaminhado ao presidente da República, demandando medidas emergenciais para mitigar os impactos econômicos e sociais da crise, evidenciando a atuação regional conjunta.

Outra medida adotada conjuntamente pelos municípios foi a edição de decretos para o uso de máscaras em locais e serviços públicos da região. Além disso, os prefeitos decidiram coletivamente que estabelecimentos comerciais e as concessionárias de transporte público deveriam medir a temperatura dos usuários, assim como fornecer álcool em gel11

Algumas parcerias firmadas pelo Consórcio também demonstram a coordenação regional. Com a empresa 99, o Consórcio conseguiu a doação de 5 mil corridas para profissionais de saúde e assistência social que estão atuando no combate ao coronavírus. Em abril, deu início ao “Drive Thru Solidário Regional” para arrecadação de alimentos e materiais de higiene e limpeza, os quais estão sendo encaminhados para os Fundos Sociais de Solidariedade dos municípios, que repassam para famílias em situação de vulnerabilidade social.

Em parceria com a Universidade Federal do ABC (UFABC), o Consórcio lançou a plataforma COVIData para mapear casos suspeitos e auxiliar na tomada de decisão. Trata-se de questionário online, seguindo protocolos estabelecidos pelo Ministério da Saúde, que ajuda a subsidiar as secretarias municipais no acompanhamento da disseminação da doença. Entre 29/04 e 10/05 o COVIData analisou dados relacionados aos municípios do ABC paulista, chegando a um total de 2672 triagens; destas, 1106 foram classificadas como suspeitas e 828 como suspeitas graves12

Em início de maio o Consórcio anunciou a compra de 1 milhão de equipamentos de proteção individual (luvas, máscaras descartáveis, aventais descartáveis, óculos de proteção e álcool em gel) para os sete municípios. De acordo com o presidente do consórcio, “a compra coletiva permite reduzir os custos do processo e adquirir uma grande quantidade de equipamentos indispensáveis para o trabalho dos nossos profissionais de saúde”. Essa é, sem dúvida, uma das grandes vantagens da atuação coordenada, ainda mais necessária em tempos de pandemia.

Divergências nas políticas municipais de enfrentamento à Covid-19

Algumas ações questionaram o consenso regional em relação à Covid-19. O Consórcio cogitou mudar seu posicionamento sobre o isolamento social, em alinhamento com o presidente Jair Bolsonaro. O presidente e o vice-presidente do Consórcio pediram que a população se manifestasse sobre o tema por um meio controverso: que seus seguidores na rede social Facebook opinassem sobre o isolamento. A postura, no entanto, contrariou os prefeitos de São Caetano do Sul, São Bernardo do Campo e Ribeirão Pires, os quais declararam que continuariam seguindo as recomendações do governo estadual e da OMS13.

No dia 23/04, Diadema liberou a reabertura do comércio por meio de decreto, mas no dia seguinte o Ministério Público obteve liminar na justiça para impedir o funcionamento do comércio no município. 

A evolução da Covid-19 e as respostas da sociedade

Os fatos impõem aos prefeitos a necessidade de seguir as recomendações técnicas. Em reunião extraordinária no dia 04/05, os prefeitos dos sete municípios decidiram pela manutenção das medidas de isolamento, seguindo o governo do estado. Naquele momento os municípios contavam com 2.049 casos e 188 mortos. Segundo o presidente do Consórcio, “as regras estabelecidas pelo governo estadual e pelas prefeituras devem ser seguidas rigorosamente para podermos minimizar o avanço da pandemia. Com isso, podemos reduzir a contaminação e, futuramente, sairmos da quarentena”14

Apesar do realinhamento com o governo estadual, que defende o isolamento, o Índice de Isolamento Social, monitorado e publicizado pelo Consórcio15, vêm caindo nos municípios do ABC. No dia 14/05 a taxa mais alta era de Ribeirão Pires, de 53%, e a mais baixa, de São Caetano do Sul, de 45%.

O painel informativo do Consórcio apresenta dados diários de casos e óbitos confirmados por município do ABC, assim como do estado de São Paulo e do Brasil.  Em 14/05 já eram 3.240 casos confirmados (6.041 aguardavam resultado) e 309 mortes (e 51 ainda aguardavam o resultado dos exames). Este é, sem dúvida, um importante instrumento de monitoramento da pandemia nos municípios da região e um ganho advindo da cooperação intermunicipal na região. 

Os custos para a não cooperação são grandes e, desta forma, o consórcio intermunicipal auxilia enormemente os municípios no combate ao coronavírus, facilitando a coordenação e o monitoramento da pandemia. Os gestores ganham conjuntamente, assim como os cidadãos da região. 

 

Acompanhe a série de artigos do NEPOL


1Doutora em Ciência Política pela USP, docente e coordenadora da Pós-Graduação em Políticas Públicas da UFABC.
2Doutor em Ciências Sociais pela PUC/SP, docente e coordenador da Pós-Graduação em Relações Internacionais da UFABC. Coordenador do Núcleo de Estudos do Federalismo e Poder Local da UFABC.
3Bacharel em Políticas Públicas pela UFABC e diretor de departamento na Prefeitura de São Paulo.
4https://cidades.ibge.gov.br/
5http://consorcioabc.sp.gov.br/o-grande-abc.
6http://digital.maven.com.br/pub/diariodograndeabc/?numero=17917#page/7
7http://digital.maven.com.br/pub/diariodograndeabc/?edicao=108406#page/2
8https://agora.folha.uol.com.br/sao-paulo/2020/03/abc-suspende-transporte-municipal-por-causa-do-coronavirus.shtml.
9https://www.dgabc.com.br/Noticia/3359292/consorcio-recua-e-garante-circulacao-do-transporte-municipal-no-grande-abc.
10Eduardo Scorzoni Ré e Vanessa Elias de Oliveira (2018), “Cooperação intergovernamental na política de mobilidade urbana: o caso do Consórcio Intermunicipal do ABC”, Urbe – Revista Brasileira de Gestão Urbana, 2018 jan./abr., 10(1), 111-123. In :https://www.scielo.br/pdf/urbe/v10n1/2175-3369-urbe-2175-3369010001A09.pdf.
11http://consorcioabc.sp.gov.br/noticia/4365/cidades-do-grande-abc-vao-orientar-uso-de-mascaras-em-locais-publicos.
12https://covidata.ufabc.edu.br/report.html.
13http://digital.maven.com.br/pub/diariodograndeabc/?numero=17932#page/2
14http://consorcioabc.sp.gov.br/noticia/4371/prefeitos-do-grande-abc-reiteram-isolamento-como-medida-para-enfrentar-avanco-de-casos-de-covid-19
15https://coronavirus.consorciograndeabc.page


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